quarta-feira, 8 de julho de 2009

Rey Misterio

- Mas tenho de atender! Pode ser a minha mãe!!
- Não J. só os adultos podem atender o telefone, sabes disso.
- Então porque não vais atender? Pode mesmo ser a minha mãe a querer saber como eu estou! E se for ela? E depois ela não sabe que eu estou aqui e que estou bem e que...

Desapareceu rápido como um foguete. Tinha 7 anos e aquela hora devia estar na escola.

Durante a manhã e o princípio da tarde o centro estava quase deserto. Apenas frequentado por duas ou três crianças que deviam estar na escola mas que nem sequer estavam inscritos. A maioria não aparecia no centro para que não soubéssemos que não estavam na escola, mas alguns não resistiam a ir pegar-nos umas "partidas". O seu castigo era ficarem privados do centro. Seria justo? Seria o mais correcto privá-los do único sítio onde tinham jogos e ... comida? Onde podiam fingir que não tinham assim tantos problemas? Talvez. Não se pode avaliar uma situação assim a quente.

- 'Tou? Quem é?
- J., dá-me o telefone. Estou? Sim,é mas de momento não está ninguém responsável. Peço desculpa pelo menino. Eles sabem que não devem atender o telefone mas...
- Não tem importância, até foi engraçado. São crianças, é mesmo assim. Ligarei mais tarde, então.

Mas tinha importância. Não tanto para mim, mas para o J. E também para o H. O H. era o coordenador do centro e não gostava nada de saber o que o J. aprontava.

A sua mãe. Não sei sequer se se preocupava com o seu bem-estar. Nem sei se estava em liberdade na altura. Mas antes de saber quem estava do outro lado da linha, tinha a certeza que não era a mãe do J. Elas nunca ligavam.

- Vais ter de lhe contar.
- Porquê? Só nós é que sabemos e se tu não contares ele não vai saber.
- Vai sim. A senhora vai ligar outra vez e vai falar no que fizeste.

Na verdade tenho quase a certeza que a senhora não iria referir o assunto. Mas Estava a tentar incentivar o J. a enfrentar os seus medos e os seus erros. Afinal ele estava apenas a expressar um desejo profundo, ainda que inconscientemente.

- Já sei, já sei o que vai acontecer, não vale a pena ir lá. Vou-me embora e pronto. Para a semana já posso voltar.
- Mas se lá fores, se o H. souber por ti, não fica tão zangado.
- Tenho de me ir embora. Tenho de ir.
- Se lhe contares tu, ele não te impede de voltar. Mas tens de pedir desculpa e...
- Não posso. Tenho de ir embora.
- Sabes que fizeste mal, não sabes?
Olhou para o lado e ficou em silêncio.
- Então se contares e pedires desculpa - mas tens de ser sincero - se não voltares a repetir, acho que o H. te consegue perdoar.
- Tenho de ir embora.
- Queres que vá contigo?
- Sim...

- Já viste como o Rey Misterio é forte? É o Maior!!! Ele ganha a todos!